Áreas
agrícolas que utilizam agrotóxicos têm mais casos
de câncer infanto-juvenil
Segundo
estudo da Universidade Federal do Ceará, entre 2000 e 2011
foram registrados 3.274 casos de câncer em menores de 19 anos,
com 2.080 óbitos – a maioria deles estava exposta aos
venenos
Exposição
a agrotóxicos se dá pela inalação, ingestão
ou absorção cutânea
São
Paulo – Entre 2000 e 2012, a cada ano, o número médio
de mortes por câncer entre crianças e adolescentes aumentou
nas regiões de Camocim, Baixo Jaguaribe e Cariri, no Ceará.
Já a concentração de casos da doença é
maior nas microrregiões de Ibiapaba, Sobral, Meruoca, Fortaleza
e Cariri.
No
período, em todo o estado, foram notificados 3.274 casos de
câncer em menores de 19 anos, nos quais 26,3% tinham idade entre
15 a 19 anos; 23,7% entre 10 e 14 anos; 23,2% entre 1 e 4 anos; 22,5%
entre 5 a 9 anos e 4,2% nem sequer tinham completado o primeiro ano
de vida quando adoeceram. Foram registrados 2.080 óbitos –
um coeficiente de 48 mortes por 100 mil habitantes. A faixa etária
com maior número de vítimas fatais foi a de 15 a 19
anos de idade.
Além
do câncer cada vez mais incidente, respondendo pela maior fatia
dos adoecimentos no estado, essas localidades têm outro ponto
em comum: concentram os chamados polos de irrigação
– ou perímetros irrigados –, nos quais a produção
de frutas, flores e leite tem o uso intenso de agrotóxicos.
As
conclusões são de uma pesquisa recente da enfermeira
especialista em oncologia Isadora Marques Barbosa, que defendeu mestrado
em Saúde Pública pela Universidade Federal do Ceará
(UFC) em maio passado.
Crianças
estão entre as principais vítimas dos efeitos nocivos
dos agrotóxicos no Brasil
A
pesquisadora não descarta o fato de que o aumento de casos
registrados e de mortes esteja relacionado à melhoria no sistema
de notificação. No entanto, pesquisas realizadas em
todo o mundo relacionam a exposição aos agrotóxicos
com o desenvolvimento de diversos tipos de câncer, especialmente
de cérebro, próstata, rins, linfoma não-Hodgkin
e leucemia – esses dois últimos mais comuns entre os
registros para a faixa etária estudada no Ceará. E já
está estabelecido que a exposição de grávidas
aos venenos no ambiente de trabalho aumenta as chances de câncer
em seus filhos.
Além
disso, por questões nutricionais, fisiológicas e relacionadas
ao desenvolvimento, crianças e adolescentes são mais
vulneráveis aos efeitos adversos – agudos ou crônicos
– causados pelos agrotóxicos. A exposição
a esses agentes se dá pela inalação, ingestão
ou absorção cutânea. A ingestão pode ser
maior em crianças do que em adultos principalmente pelo hábito
de colocar as mãos, muitas vezes contaminadas, na boca.
"Porém,
o fato é que são grandes as diferenças nas taxas
de mortalidade nos polos de irrigação e em outras localidades,
os chamados extrapolos. É relevante que as taxas de mortalidade
venham aumentando nas regiões onde são utilizados agrotóxicos
na produção agrícola principalmente de frutas",
explica Raquel Rigotto, professora do Departamento de Saúde
Comunitária da Universidade Federal de Ceará e orientadora
da pesquisa de Isadora.
A
hipótese é reforçada por outro dado do estudo.
Nos relatos de casos de crianças e adolescentes doentes do
Baixo Jaguaribe, o fator de risco para câncer mais presente
foi o de exposição a agrotóxicos – o que
pode nortear novas investigações sobre essa possível
associação entre câncer infanto-juvenil e exposições
a agrotóxicos.
Os
resultados encontrados no Ceará são semelhantes aos
obtidos por pesquisadores da Universidade Federal do Mato Grosso,
segundo os quais a exposição aos agrotóxicos
da população matogrossense desde o nascimento está
relacionada ao surgimento de câncer e mortes pela doença
em menores de 20 anos.
Pulverizações
As
ameaças à saúde pública nos perímetros
irrigados, onde está o agronegócio no estado do Ceará,
são estudadas há anos por Raquel Rigotto. Suas pesquisas
identificaram princípios ativos de agrotóxicos no solo
da região da Chapada do Apodi, onde está o polo irrigado
Jaguaribe Apodi, perto da divisa com o Rio Grande do Norte.
Substâncias
como difenoconazol e epoxiconazol, altamente tóxicas, capazes
de comprometer o fígado, e possivelmente causador de câncer
conforme classificação de agências ligadas à
Organização Mundial da Saúde (OMS), vinham sendo
pulverizadas, por aviões, sobre culturas e também sobre
casas, escolas, igrejas, granjas e pequenas hortas.
"Em
15 anos de agronegócio, esses e outros venenos chegaram às
cisternas que abastecem as casas durante a seca e também aos
aquíferos, contaminando tudo por onde passam e causando câncer,
malformações e outras doenças, inclusive alterações
endócrinas. Estamos estudando agora casos de puberdade precoce
em crianças de 4 anos", explica Raquel.
Combatidas
por especialistas, ambientalistas e movimentos sociais, as pulverizações
aéreas praticamente acabaram no estado por conta da seca que
avança sobre a região, afetando as culturas.
Seminário
discute "PL do veneno" em São Paulo
O PL 6.299/2002,
de autoria do ministro interino da Agricultura Blairo Maggi, e seus
apensados, incluindo o PL 3.200/2016, chamado de PL do Veneno, ameaçam
liberar ainda mais o uso de agrotóxicos no Brasil ao derrubar
a Lei de Agrotóxicos e instituir a Lei de Defensivos Fitossanitários.
Em busca
de subsídios para sua atuação, a comissão
especial que discute o tema na Câmara realiza seminário
em São Paulo nesta sexta-feira. Está confirmada a presença
de representantes de movimentos sociais, especialistas e autoridades
públicas. Entre os palestrantes, Leonardo Melgarejo, da Campanha
Permanente Contra os Agrotóxicos, Daniel Machado Gaio, secretário
nacional de meio ambiente da CUT, Ana Paula Bortoletto, pesquisadora
do Idec e o defensor público estadual Marcelo Novaes.
por
Cida de Oliveira, da RBA
10/08/2016
15:19