Como o Brasil
Busca Abastecer o Mundo com Álcool Combustível Aumentam
a Pobreza Rural, Destruição do Meio Ambiente e Conflitos
Agrários
Por Isabella Kenfield | 8 de marzo de 2007
Programa de las Américas
del International Relations Center (IRC) www.ircamericas.org
No dia 22 de janeiro a administração do
Presidente Lula anunciou que vai aumentar os fundos federais para a
indústria sucro-alcooleira em US$6 bilhões nos próximos
quatro anos. Um dia depois, o Presidente estadunidense George W. Bush
declarou no discurso Estado da União seu objetivo de reduzir
o consumo de gasolina no país em 20% até o ano 2017.
Em geral, a repercussão no Brasil ao anúncio
de Bush foi muito positiva. Luis Fernando Furlan, Ministro da Indústria,
Desenvolvimento e Comércio, disse à Gazeta Mercantil que
ele recebeu a notícia do discurso de Bush "com aplauso".
"É uma oportunidade fantástica de
negócio", disse Luis Carlos Correa Carvalho, um consultor
da indústria sucro-alcooleira, para a agência Reuters.
"Nunca tivemos uma oportunidade tão grande pela substituição
de petróleo", afirmou.
Atualmente, os Estados Unidos é o maior importador
de álcool Brasileiro. O ano passado, os EUA importaram 1.74 bilhões
de litros, correspondendo a 58% do total de três bilhões
de litros que o Brasil exportou. Para os EUA atingir a redução
de gasolina anunciada por Bush, o país precisará de 135
bilhões de litros adicionais por ano. Como os EUA não
têm a capacidade de produzir todo esse volume, sem dúvida
uma grande porcentagem será importada do Brasil.
O Brasil é o líder mundial de exportações
de álcool combustível. Em 2006, o país exportou
quase 19% dos 16 bilhões de litros da produção
total, provendo 70% do abastecimento global. Essa quantidade vai aumentar.
Uma parceira entre o Ministério da Ciência e Tecnologia
e a Universidade de Campinas em São Paulo, viabilizou recentemente
o desenvolvimento de uma pesquisa para planejar as exportações
de álcool brasileiro com vistas a substituição
de 10% do uso mundial de gasolina nos próximos 20 anos. Se esse
plano for bem sucedido, as exportações totais do país
vão totalizar 200 bilhões de litros até 2025—um
aumento de quase 67%, e a área geográfica plantada com
cana-de-açúcar vai aumentar de seis milhões para
30 milhões de hectares. Muitos brasileiros consideram a posição
de seu país como líder mundial de exportações
de álcool como sua oportunidade de finalmente se "desenvolver",
e assumir o palco como líder mundial econômico e político.
Porém, há preocupação que
enquanto a expansão da indústria de álcool aumentará
o PIB, e alguns brasileiros ficarão muito ricos no processo,
a maioria dos brasileiros não se beneficiarão do crescimento
das exportações de álcool. A declaração
feita por Thomas Friedman, num editorial recente do jornal estadunidense
New York Times que "realmente o Brasil pode ser a Arábia
Saudita do açúcar" não deixa de ter um cunho
perturbador, mostrando que esta pode ser a natureza das relações
brasileiro-estadunidense no futuro. Dado os planos estadunidenses em
aumentar as importações de álcool brasileiro, é
muito provável que o sustento de muitos brasileiros, especialmente
o pobre rural, serão sacrificado para manter o consumo daquele
país.
Como a indústria segue se expandindo, e para
tanto, mais terras são plantadas com a monocultura da cana-de-açúcar,
problemas já existentes nas áreas rurais como o grande
número de sem terras, fome, desemprego, destruição
ambiental e conflitos agrários serão exacerbados. Num
manifesto recente do Fórum de Resistência aos Agronegócios,
uma articulação de ONGs de todo a América do Sul,
diz, "a implementação do modelo de produção
e exportação de biocombustíveis representa uma
grave ameaça sobre nossa região, e sobre os recursos naturais
e a soberania de nossos povos".
O Álcool é
a Solução ou o Problema?
Em muitos aspectos, o esforço brasileiro para abastecer o Norte
Global com o álcool combustível é simplesmente
uma repetição do mesmo modelo de crescimento econômico
via agroexportação que segue sendo implementado no país
desde a colonização portuguesa. Segundo o Manifesto do
Fórum, "A era dos biocombustíveis" reproduzirá
e legitimará esta lógica de ocupação do
campo dominado pelo agronegócio e pelas transnacionais, sob a
perpetuação do projeto colonial: a submissão de
ecossistemas e de povos a serviço da produção e
manutenção da forma de vida de outras sociedades".
No Brasil, a produção agrícola
para exportação sempre foi um modelo imposto no país
pelas nações mais poderosas do Norte, e os poucos capitalistas
brasileiros que são fazendeiros. A agroexportação
gera grande volume de riquezas para poucos brasileiros, e exploração
e pobreza para muitos. O alto índice de desigualdade de renda
no Brasil é inseparável do fato de também ter um
dos maiores índices de desigualdade de distribuição
de terra no planeta. A indústria sucro-alcooleira tem contribuído
com a desigualdade de terra e renda no país.
O álcool brasileiro é produzido com a
cana-de-açúcar, que sempre foi uma commodity agrícola
para o país. Sendo a cana-de-açúcar a matéria
prima para a produção do álcool, a indústria
está diretamente relacionada às dinâmicas sociais
e econômicas nas áreas rurais, onde sua produção
se dá desde a época colonial, destacando-se como mais
importante a exploração da mão-de-obra, a concentração
da terra e a destruição ambiental. Segundo Marluce Melo,
da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Recife, Pernambuco, "A
pobreza rural sempre esteve intrinsecamente relacionada à economia
da cana. Mesmo quando Pernambuco era o maior produtor nacional de cana
(até a década de 70), os níveis de pobreza eram
dos maiores do mundo".
"Hoje os problemas com a produção
(de cana-de-açúcar) são muito similares aos problemas
que a cana gerava centenas de anos atrás", diz Maisa Mendonça,
Diretora da ONG Rede Social, que fica em São Paulo. Os trabalhadores
nas plantações de cana de açúcar sofrem
uma forma de trabalho das mais difíceis no mundo. Segundo Mendonça,
o Brasil tem os custos mais baixos no mundo por causa da dependência
na exploração de mão-da-obra, inclusive de escravidão
numa escala massiva, e também sua recusa em implementar regras
ambientais. Em São Paulo o custo médio de produção
é de US$165 por tonelada; na Europa é de US$700 por tonelada.
Em São Paulo o salário médio mensal para um trabalhador
numa plantação de cana é de US$ 195; em Pernambuco
é de US$167.
Calcula-se que 40.000 trabalhadores informais migrantes
do Nordeste e Minas Gerais executam a colheita anual em São Paulo.
Eles trabalham longas horas do dia expostos a temperatura extremamente
quentes, cortando cana tão rápido quanto eles podem, uma
vez que são pagos de acordo com o peso da cana que cortam.
Maria Aparecida de Moraes Silva, da Universidade Estatal
de São Paulo, relata que a taxa exigida de produtividade para
cortadores de cana está aumentando. Nos anos 80, a taxa comum
de produtividade exigida de um cortador individual estava entre cinco
e oito toneladas de corte de cana-de-açúcar por dia; hoje
está entre 12 e 15 toneladas. De 2004 a 2006, a Pastoral dos
Migrantes registrou 17 mortes por trabalho excessivo em São Paulo,
e em 2005 a Delegacia Regional do Trabalho registrou 416 mortes de trabalhadores
no setor sucro-alcooleiro.
Concentração
na Indústria
Com seu contínuo crescimento, a indústria sucro-alcooleira
sofre um processo de concentração e integração
vertical se constitui grandes corporações que investem
na aquisição de terras e na produção. De
acordo com um banqueiro que financia empréstimos à indústria
sucro-alcooleira em São Paulo, e pediu para permanecer anônimo,
tradicionalmente o controle da indústria estava disperso. Engenhos
de açúcar pertenciam a donos individuais que controlavam
o cultivo e a moagem de cana.
Hoje o Brasil tem 72.000 produtores de açúcar,
e os dez maiores produtores ainda controlam menos que 30% da produção.
Porém, diz o banqueiro: "A tendência atual está
pela concentração, com um número grande de fusões
e aquisições".
Muitas das empresas que estão resgatando as empresas
menores são corporações transnacionais do agronegócio.
"A participação do capital estrangeiro na produção
de açúcar e álcool é atualmente de 4,5%,
e esta taxa vai crescer. Recentemente muitos grupos estrangeiros estão
de olho para investir nesta indústria no Brasil, devido ter um
dos custos de produção mais baixos do mundo.
A cana-de-açúcar está seguindo
o mesmo padrão de investimento estrangeiro e concentração
que se deu com a soja. Hoje grande parte da produção de
soja no Brasil é controlada por poucas empresas transnacionais
de agronegócio.
Muitas empresas transnacionais que controlam a produção
de soja estão investindo agora na indústria de álcool.
Entre elas, de acordo com o banqueiro, aparece a Louis Dreyfus Commodities
e Tereos, ambas baseadas na França, como também a Cargill,
com sede nos EUA. O Web site da Louis Dreyfus diz que a companhia é
um dos três maiores comerciantes de açúcar no mundo,
e possui três engenhos de açúcar no Brasil (uma
quarta usina está atualmente em construção no Mato
Grosso do Sul). A Louis Dreyfus produz 450.000 toneladas de açúcar
e 150.000 metros cúbicos de álcool anualmente.
De acordo com o Web site da Cargill, além de
ser a maior exportadora e a segunda maior processadora de soja do Brasil,
a empresa é a maior operadora no mercado de açúcar,
tanto em termos de origem e exportação do açúcar
brasileiro como também no comércio global de açúcar.
Na medida que mais terra é plantada com a monocultura
da cana-de-açúcar, e o controle da indústria se
torna mais concentrado, a pobreza rural aumenta. De acordo com Melo,
"a monocultura criou uma dependência principal na economia
de cana-de-açúcar dentro a região [de Pernambuco],
e impede a criação de outras formas de trabalho e renda.
A monocultura de cana-de-açúcar também gera a concentração
crescente de terras nas mãos dos engenhos de açúcar".
"Por aproximadamente 15 anos 43 engenhos de açúcar
e usinas de álcool existiu no Pernambuco. Atualmente só
25 destas empresas controlam praticamente tudo da terra nas 43 municipalidades
da região de cana-de-açúcar no estado ... Nas últimas
duas décadas, praticamente todas as propriedades pequenas na
região desapareceram, com a destruição forçada
dos locais, e a expulsão dos trabalhadores para as periferias
das 43 municipalidades da região de cana-de-açúcar,
e para as cidades maiores da região metropolitana vizinha. Neste
mesmo período, aproximadamente 150 mil empregos estavam perdidos
com o fechamento de 18 companhias e a concentração conseqüente
das terras e do processimento da cana-de-açúcar nos 25
engenhos e úsinas que permanecem ... esse provocou a 'favelização'
geral dos trabalhadores que agravou a fome".
Crescimento Econômico
ou Busto Ambiental?
Indústria, governo e a mídia dominante no Brasil geralmente
discutem as exportações crescentes de álcool impulsionarão
o crescimento econômico e o desenvolvimento rural sustentável,
enquanto simultaneamente restringirá o aquecimento global e ajudará
o mundo a diminuir sua dependência em combustíveis fósseis.
Mas ao contrário do que muitos defendem na indústria,
a monocultura de cana-de-açúcar provoca ampla destruição
ambiental. De acordo com Melo, em Pernambuco só 2,5% da floresta
original permanece na região de cana-de-açúcar.
Para satisfazer a demanda global no futuro, o Brasil precisará
desmatar uns 60 milhões de hectares adicionais de floresta, diz
Eric Holt-Gimenez da ONG FoodFirst, em Oakland, Calif., EUA.
O efeito ambiental prejudicial da monocultura da cana-de-açúcar
é, na opinião do banqueiro de São Paulo, o aspecto
mais aberrante da indústria sucro-alcooleira. Ele afirma que
"a dominação da cana-de-açúcar está
empurrando outras colheitas para a fronteira agrícola".
"Porque cana-de-açúcar gera um preço
alto por hectare, as regiões com condições de climáticas
melhores são dominadas por esta colheita que resulta em cana-de-açúcar
que ocupa terras que antes de foi plantado a grãos e usado por
gado pastar, e os produtores de movimento de grãos para distanciar
regiões, como o centro-oeste que antes de era usado para gado.
O resultado deste fluxo é que os rancheiros de gado buscam áreas
novas como a região amazônica".
Resistindo a um Futuro-Cristalizado
Com a indústria do álcool se expandindo, em seu caminho
dispersa pobreza e perda do sustento das famílias rurais devido
ao aumento da concentração de terra e da destruição
ambiental, aumentando por sua vez o número e intensidade dos
conflitos agrários. Com uma das taxas mais altas de concentração
da renda e da terra no mundo, e um movimento social de reforma agrária
bem-articulado pelos pobres do campo, o Brasil tem um fogo sócio-econômico
queimando sem chama que está por ser inflamado na medida em que
se esforça para se tornar um líder mundial na produção
de álcool.
No dia 19 de fevereiro o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT)
organizaram aproximadamente 2000 integrantes do MST e trabalhadores
rurais para ocupar, numa ação pacífica, 12 fazendas
que somam 15.600 hectares em nove municípios de São Paulo.
De acordo com o jornal O Estado de São Paulo, o líder
do MST José Rainha Júnior disse que os "objetivos
das ocupações são forçar o governo a reconhecer
a necessidade de emergência por reforma agrária, e chamar
atenção aos problemas sociais que resultam da expansão
de cana-de-açúcar no estado".
Melo relata que em 2005, em Pernambuco teve 194 conflitos
relacionados a terra—uma taxa mais alta do que os cinco anos anteriores.
Ela também informa que no mesmo ano houve "uma repressão
grande" relacionada a uma greve geral dos trabalhadores na cana-de-açúcar.
"Os empregados e os trabalhadores desempregados que lutam e coagiram
para reforma agrária são constantemente ameaçados
pelas companhias fazendeiras e pela polícia ao serviço
delas", diz Melo. Dados da CPT em Pernambuco mostram 60 conflitos
trabalhistas durante 2005, enquanto entre 2000 e 2004 o número
mais alto de conflitos trabalhistas foi nove.
Como a administração do Presidente Lula
adota políticas para incrementar ainda mais a exportação
de álcool como um modelo para o desenvolvimento econômico,
este vira de costas aos milhões de brasileiros que votaram no
Partido dos Trabalhadores baseado em suas promessas eleitorais de implementar
mudanças sociais e econômicas no seu governo, especialmente
uma reforma agrária. De acordo com Melo, "o governo Lula
fortaleceu o modelo histórico de produção de cana
imposto no país, baseado em monocultura, terra concentrada, e
grandes companhias. Ele não mostrou interesse na criação
de alternativas para este modelo perverso".
Pode haver alternativas econômicas viáveis
à monocultura de cana-de-açúcar? "Nossa avaliação
é que o governo precisa combater a fome", diz Mendonça.
"O governo quer transformar o Brasil em uma fábrica para
prover países ricos com energia barata. Isto está comprometendo
a reforma agrária e a produção de alimentos".
Os movimentos sociais, muitas ONGs e outras organizações
concordam que o Brasil precisa incorporar os conceitos de segurança
e soberania alimentar em sua política de desenvolvimento , priorizando
a terra para produzir alimentos para brasileiros. Segurança alimentar
recorre à obrigação de governos em assegurar que
as populações do seu país tenham acesso a alimentos
nutritivos e em quantidades adequadas, enquanto soberania alimentar
prevê o direito das pessoas e países em definir suas próprias
políticas agrárias, e produzir alimentos destinados às
populações locais antes de produzir para exportação.
Sabe-se que segurança e soberania alimentar jamais
serão alcançadas sem uma reforma agrária inclusiva
capaz de manter os agricultores familiares na terra, produzindo e distribuindo
alimentos saudáveis às populações locais.
Como se dá atualmente seu desenvolvimento, a indústria
sucro-alcooleira no Brasil representa um desafio direto à soberania
alimentar e à reforma agrária. Está claro que a
produção de álcool para sustentar o enorme consumo
do Norte Global não aliviará a pobreza rural no Brasil
nem ajudará que alcance a soberania alimentar para seus cidadãos.
Isabella Kenfield é jornalista
independente estadunidense morando no Brasil e uma contribuinte da IRC
Americas Program www.ircamericas.org.
Recursos
Acción por la Biodiversidad
www.biodiversidadla.org
Accion Ecológica (Ecuador)
www.accionecologica.org
Centro de Políticas Públicas para el Socialismo
(CEPPAS) (Argentina)
www.ceppas.org
Fórum de Resistência aos Agronegócios:
www.resistalosagronegocios.info
resistalosagronegocios@gmail.com
GRAIN
www.grain.org
Investigaciones Sociales (BASE) (Paraguay)
www.baseis.org.py
OilWatch Sudamérica
www.oilwatch.org
Pastoral Land Commission (Brasil)
www.cptnac.com.br
Red de Accion en Plaguicidas e Alternativas de América
Latina (RAP-AL)
www.laneta.apc.org/emis/sustanci/plaguici/rapal.htm
Rede Social (Brasil)
www.social.org.br
Sección Latinoamericana de Pesticide Action Network
(PAN)
www.pan-international.org
Terra de Direitos (Brasil)
www.terradedireitos.org.br